O cantor e compositor Caco Velho
Em 2011 estive em Portugal pela primeira vez. Foi paixão a primeira vista. A luminosidade, o cheiro do Tejo, a comida deliciosa, a simpatia cortês e reservada dos portugueses. A música portuguesa!
Obviamente eu já conhecia alguns clássicos da música portuguesa, a grande maioria fados eternizados pela voz de Amália Rodrigues. Porém a verdade é que para a minha geração talvez a figura de Amália seja apenas um nome eventualmente falado e pouco ouvido. Aliás, a música portuguesa de modo geral é muito pouco prestigiada por nós, brasileiros, apesar de sua qualidade e mesmo idioma.
A partir dessa primeira viagem a Portugal eu conheci o trabalho da maior fadista da atualidade. Trata-se de Mariza, a mais importante cantora viva de Portugal, popularíssima não apenas em terras lusas, mas que realiza frequentes concertos em diversas partes do mundo. Talvez Mariza seja dentre as cantoras não brasileiras a que eu mais gosto. Tenho todos os seus discos, DVDs e assisti a dois shows seus, um em Portugal e um no Rio de Janeiro. Considero-a uma das maiores cantoras vivas da atualidade.
Mariza canta "Barco negro"
Uma das canções gravadas por Mariza chama-se "Barco negro". Trata-se de um tema que fala de uma mulher que chora na praia ao ver seu homem partir em um barco negro ao passo em que as mulheres mais velhas da praia dizem para ela que ele não mais voltará. "Barco negro" é, na realidade, um dos maiores sucessos da carreira de Amália Rodrigues, e Mariza o regravou.
Qual não foi minha surpresa ao descobrir que "Barco negro" é na realidade uma composição brasileira do famoso sambista Caco Velho parceria dele com um compositor desconhecido de nome Piratini.
"Mãe preta", com o Quarteto Tocantins. Gravação de 1943
Em 1943 o pouco famoso grupo Quarteto Tocantins gravou a toada "Mãe preta", uma música que falava em uma mãe de leite escrava que dá de mamar ao filho branco do senhor enquanto seu próprio filho apanha na senzala. Essa música pouco conhecida (não chegou a ser sucesso e o próprio Quarteto Tocantins gravou poucos discos após essa gravação) acabou caindo nas graças da fadista Maria da Conceição e foi gravada em Portugal em 1955, fazendo grande sucesso. Porém era o período da ditadura fascista de Salazar e a letra falando em escravidão não agradou ao governo, que tratou de proibi-la.
Uma das principais características do fado é que para uma mesma melodia existem várias letras diferentes e cada cantor pode interpretar uma mesma música com poemas totalmente diferentes. talvez pensando nisso o letrista português David-Mourão Ferreira escreveu uma nova letra e "Mãe preta" se transformou em "Barco negro", sendo gravada então por Amália Rodrigues e se tornando um clássico da música portuguesa. Uma música tão célebre que acabou sendo regravada por diversos intérpretes em Portugal e no Brasil, como Ney Matogrosso (que a gravou duas vezes) e Joanna, num CD gravado ao vivo em Portugal.
"Barco negro - Amália Rodrigues
Como um barco que parte de um porto e retorna anos depois, "Mãe preta" deixou o Brasil como uma música pouco conhecida para se tornar a clássica "Barco negro" no outro lado do oceano e retornar até nós (e até mim) como uma das mais fiéis representantes da música portuguesa.
Uma linda música com uma história pitoresca que gostaria de dividir com quem possa ler esse texto.
Ney Matogrosso - "Barco negro"
"Barco negro" - Joanna
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