24 de dez. de 2013

ENTREVISTA COM JUSSARA SILVEIRA

Jussara Silveira nasceu em Minas Gerais, mas é baiana. É baiana no jeito cool com que conduz sua vida e carreira. Mas sob essa personalidade suave se esconde uma cantora de emoção intensa, capaz de dar sentido às letras mais densas com a tranquilidade mansa de uma das herdeiras de João Gilberto. É aquele tipo de cantora que não precisa do grito. Sua emoção se faz presente no marejar dos olhos, no jeito como projeta a voz (Teresa Cristina definiu em uma entrevista recente como "voz de choro"), no movimento suave e discreto do corpo e das mãos.

Considero Jussara Silveira uma cantora extraordinária. Literalmente. Ela é como poucas. Poucas são as cantoras tão precisamente afinadas e ao mesmo tempo tão "sentimento". Poucas são aquelas que têm uma trajetória tão coerente, límpida e de bom gosto. Poucas cantoras do Brasil teriam o sentimento adequado para fazer um disco que, não sendo apenas fado, é baseado no fado. E Jussara acaba de lançar o belo "Água Lusa", no qual canta composições letradas pelo poeta português Tiago Torres da Silva. Mais um belo azulejo no painel da carreira dessa cantora tão baiana, tão brasileira, e, quem diria, tão portuguesa.

Foi com grande alegria de minha parte que Jussara concedeu-me por e-mail essa entrevista falando de "Água Lusa" e de sua carreira. Com a mesma gentileza e doçura de nosso rápido encontro nas ruas no carnaval de anos atrás.
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DOUG CARVALHO: Jussara, você vem de uma fase muito produtiva em termos discográficos. Em 2011 você gravou dois discos, o “Ame ou Se mande” e o “Flor Bailarina”, no qual você canta somente canções de compositores angolanos. Agora você está lançando o “Água Lusa”, que é focado na música portuguesa. Como surgiu a ideia de fazer esse disco?   

JUSSARA SILVEIRA: A ideia de fazer um disco com Tiago Torres da Silva é anterior aos discos "Ame ou se Mande" e "Flor Bailarina", mas comecemos pelo começo: eu não gravava há quatro anos, quando resolvi convidar Marcelo Costa (baterista) e Sacha Amback (pianista) para  montarmos um show com essa formação diferente do que eu costumava fazer... Este encontro se desdobrou na gravação em estúdio do "Ame Ou Se Mande", e em seguida, ao escutar o som desse disco, o fotógrafo Sérgio Guerra, sugeriu que gravássemos as canções angolanas nessa mesma formação, fizemos o "Flor Bailarina", e o resultado me pareceu muito interessante... durante todo esse tempo, Tiago e eu trocamos ideias sobre o nosso disco e em 2011 brindamos com Pedro Jóia, em Lisboa, o disco que faríamos juntos; o brinde foi forte e justamente um ano depois fui fazer uma Residência Artística em Lisboa - através de um Programa da Secretaria de Cultura da Bahia e durante este período tivemos a oportunidade de gravar o "Água Lusa", com o lastro do Tiago e Jóia no comando, e o meu desejo de cantar essas canções e esses fados, que tentei decifrar durante toda a vida, e ao mesmo tempo, os três discos lançados pela Dubas Música/Universal, a cada ano, formam entre si uma trilogia lusófona e não há nada melhor do que fazer música em língua portuguesa. Eu garanto.

DC: Desde seu primeiro disco você já namora um pouco com o fado, que é um gênero que volta e meia aparece em seu repertório. Música portuguesa, fado em especial, já era uma referência para você?  


JS: Reverencio o Fado desde que escutei Amália Rodrigues pela primeira vez ao 10 anos de idade e desde o meu primeiro show faço referência ao  fado, à canção portuguesa, ou algo da canção brasileira que nos remeta ao mundo luso, como é o caso de "Orientação", de Tuzé de Abreu, gravada no meu primeiro disco, ou a gravação de "Fria Claridade", ou ainda a música do Zé Miguel Wisnik sobre poema de Fernando  Pessoa, a intrigante "Tenho Dó das Estrelas". 

DC: A música portuguesa já foi muito popular no Brasil, principalmente na década de 50. Nessa época algumas cantoras portuguesas chegaram a morar e fazer carreira de sucesso no Brasil, como as irmãs Ester de Abreu e Gilda Valença, sem contar a própria Amália Rodrigues. Hoje em dia, apesar de alguns artistas, como a fadista Mariza, terem carreiras internacionais consagradas, o público brasileiro de modo geral anda muito refratário à música portuguesa, apesar da qualidade do que é produzido em Portugal. Os artistas lusos atuais são pouco conhecidos aqui, apesar de termos a mesma língua. Você arriscaria atribuir esse fato a algum motivo específico?

JS: Olha, é bem verdade que durante muito tempo, a cena brasileira P
ortugal sempre foi mais forte que o contrário, mas é evidente que a cena tem mudado bastante e no momento muitos artistas portugueses novos, como Carminho, António Zambujo, entre outros, fazem shows aqui no Brasil e em conversa com amigos, percebo o quanto eles têm se voltado para a canção portuguesa e para o Fado. Atualmente há muitas parcerias entre brasileiros e portugueses e penso que o Tiago Torres da Silva é pioneiro e incentiva bastante essas parcerias.  Da minha parte adoraria trazer meus fadistas de predileção para cantarem no Brasil e retribuir tudo que aprendi com o canto profundo do fado; cantores como Maria João Quadros, Camané, e fadistas de sempre: Beatriz da Conceição, Celeste Rodrigues, Teresa Tarouca, Argentina dos Santos... "tudo isto é Fado." 


DC: Na letra de “Na companhia de fadistas” você canta “Talvez não seja aceite entre os puristas / Talvez pensem que eu não tenho direito”. De fato há puristas do fado que costumam ser muito exigentes. Por outro lado o público português costuma ser muito aberto a MPB. Você chega de fato a se preocupar que seu disco seja aceito pelos puristas?

JS: Esta preocupação só existe na canção, e nem isso, pois é somente um "talvez". Há tantas controvérsias no fado e entre os fadistas, que jamais me colocaria em alguma discussão. O que faço é tão somente uma visita ao fado e à canção em língua portuguesa, meu assunto predileto.
 


DC: Apesar de não ter sido a primeira gravação, considero sua versão de “Dama do Cassino”, de Caetano Veloso, definitiva. É seu maior sucesso, e o público sempre pede nos shows – eu mesmo sou um dos que pedem! (RS). Você ainda canta com o mesmo prazer ou sente uma vontade de deixar ela guardadinha no guarda-roupas de vez em quando?

JS: Adoro cantar "Dama do Cassino", pérola recolhida do repertório de Ney Matogrosso, como  também o "Fado menor do porto", "Sereia", gravado lindamente por ele, e que está no "Água Lusa".

DC: Em 2008 você se juntou a Teresa Cristina e Rita Benneditto e fizeram o show “Três Meninas do Brasil”, que virou DVD. Gosto muito desse trabalho, mas o show não chegou a viajar todo o país. Ainda haveria vontade de, quem sabe, trazê-lo a Salvador, que afinal, é sua cidade, mesmo que nunca tenha sido discutido isso com as outras duas “meninas”? 

JS: Era realmente um trabalho para rodar pelo Brasil e no entanto, fizemos uns poucos shows e com o formato definitivo do DVD, me parece que "as meninas" preferiram cuidar de suas carreiras; já lamentei um pouco junto com as pessoas que queriam ver o show ao vivo, aqui e acolá... mas já passou e temos ai o DVD e a amizade que me une a Rita e Teresa.  

DC: O mercado musical de hoje é complicado. Existe a questão da pirataria e do jabá. Pra tocar no rádio o artista tem que ser contratado de uma grande gravadora ou já ser muito conhecido. Como é para você divulgar o seu trabalho no Brasil inteiro? E a questão da internet (inclusive o download) ajuda ou atrapalha?

JS: Acho que o foco agora é no mundo digital. Eu como não sou autora, não posso autorizar que se baixe nada gratuito... mas sei que se faz muito download, acho que ajuda da divulgação, mas quem quer algo de qualidade mesmo, tem que comprar.
 


DC: Essa entrevista é para o blog de um site sobre Cantoras. Quem são as cantoras que te influenciaram e quais você costuma ouvir em casa? 

JS: As minhas cantoras sempre: Nana Caymmi, Gal Costa, Maria Bethânia, Billie Holliday, Ná Ozzetti, Numa Ciro, Mariana de Moraes, Cássia Eller, Amália Rodrigues, Maria João Quadros...nossa senhora, são tantas amadas cantoras, umas novíssimas como Julia Vargas. Adoro! 

DC: Gostaria de agradecer imensamente sua disponibilidade em responder essa entrevista, e, para finalizar, deixo aberto esse espaço para você dar seu recado para o seu público e o público do blog.

JS: Doug, parabéns pelo blog e pela dedicação às cantoras. Foi ótimo falar contigo e com o público do Cantoras do Brasil. Espero brevemente voltar à Salvador com o show do "Água Lusa".  Que a estrela do Menino Jesus nos ilumine a todos. Beijos Lusos-Natalinos. Jussara Silveira.


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(Talvez blindado em minha natural timidez pelo fato da entrevista ser por e-mail, não resisti em dar uma de tiete e contar uma historinha pessoal a Jussara e pedir que ela mandasse um recado para um amigo. Peço a devida licença aqui aos leitores do blog para ser um pouco menos jornalista e um bocadinho mais fã!)

DC: A alguns anos atrás um grande amigo que tinha passado alguns anos residindo nos Estados Unidos voltou achando que a MPB estava estagnada. Bati o pé dizendo que não, e mostrei o trabalho de alguns artistas que ele não conhecia, principalmente o de Ná Ozzetti e o seu, e ele acabou tornando-se um grande fã de ambas. Como moramos em Salvador ele dizia que no dia que encontrasse você na rua iria pedir um beijo, e tal encontro aconteceu em pleno carnaval, no Bloco dos Mascarados da Margareth Menezes. Eu falei para ele, “A Jussara Silveira está aqui atrás de nós. Você não vai dar o beijo dela não?”, achando eu que ele iria ficar tímido, mas ele foi, falou com você, deu o beijinho e eu te contei essa história de ter apresentado seu trabalho. Lembro como hoje você me respondendo “BOA!” (risos). Possivelmente você não vai lembrar desse acontecido de tantos anos atrás, mas você poderia, por favor, mandar outro beijo para o meu amigo? O nome dele é Angelo Augusto, e ele continua seu grande fã!

JS:
Oi Angelo Augusto, um grande beijo pra você, para comemorar o inesquecível beijinho, no bloco Mascarados. Você se lembra da minha fantasia? 


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GOSTARIA DE AGRADECER IMENSAMENTE À GENEROSIDADE E DISPONIBILIDADE DE JUSSARA SILVEIRA E TIAGO TORRES DA SILVA POR SUAS ENTREVISTAS E DESEJAR A AMBOS, AQUI E EM PÚBLICO, MUITO SUCESSO COM ESSE LINDO DISCO QUE É O "ÁGUA LUSA".

GRANDE ABRAÇO

DOUG CARVALHO

Um comentário:

  1. Adoro Jussara Silveira e obrigado por ter colocado essa estória do beijinho na entrevista.
    Jussara é simpatissima, talentosíssima, adoro todas as suas interpretações!
    Feliz 2014 para você, Jussara, que você continue nos premiando com sua obra maravilhosa!!!

    Beijos,
    Angelo Augusto Freire

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