6 de abr. de 2011

O Quintal de Ná


Ná Ozzetti é uma das melhores cantoras brasileiras. Não se pode dizer que essa seja uma verdade conhecida de todo mundo, uma vez que a cantora paulista jamais foi um sucesso de massas, mesmo com uma relativa visibilidade no Festival da Música Brasileira em 2000, tentativa frustrada da Rede Globo de reviver os áureos tempos dos Festivais da Canção da década de 60. Se o Festival da Rede Globo não revelou nenhum novo expoente da MPB, como os Festivais da Record nos anos 60, pelo menos um saldo positivo adveio desse evento: como premiação por ter ganho a categoria de Melhor Intérprete do Festival, Ná Ozzetti ganhou o direito de lançar um CD pela Som Livre, que saiu em 2001 e se chamou "Show", nome da canção de Luiz Tatit e Fábio Tagliaferri que Ná defendeu no tal festival. Se essa música era uma inédita do de um dos compositores que acompanharam a carreira de Ná (Luiz Tatit era - e ainda é - o grande mentor do Grupo Rumo, expoente da vanguarda Paulistana que no início da década de 80 tinha Ná como principal vocalista), o restante do CD "Show" foi todo formado pela releitura de grandes clássicos da Era de Ouro da MPB, não por acaso na maioria gravados originalmente por grandes cantoras, como Araci Cortes ("Linda flor"), Carmen Miranda ("Na batucada da vida" e "Adeus batucada"), Aracy de Almeida ("Último desejo"), Dalva de Oliveira ("Segredo"), Isaura Garcia ("Mensagem"), Elizeth Cardoso ("Canção de amor" e "As praias desertas"), Dolores Duran ("Não me culpes") e Maysa ("Meu mundo caiu"). A partir desse disco, Ná Ozzetti iniciou um longo período de discos de "intérprete", interrompendo o processo iniciado em 1994 com o disco "Ná" e que seguiu com "Estompim", em 1999, no qual passou a aparecer também como compositora de parte do repertório desses discos, tendo como parceiros nomes como Itamar Assumpção, José Miguel Wisnik e Luis Tatit, entre outros. Em 2005 e 2006 Ná gravou com o pianista André Mehmari dois CDs e um DVD do projeto "Piano e Voz", e em 2009 lançou o elogiadíssimo CD "Balangandãs", no qual faz uma homenagem a Carmen Miranda, cantora de grande influência no trabalho de Ná.


Pois bem, após um hiato de 11 anos, Ná volta a aparecer como compositora no seu novo CD, intitulado "Meu Quintal", pela gravadora Borandá, através do selo Ná Records. Se nos seus trabalhos anteriores a compositora ficou em segundo plano, nesse novo trabalho 11 das 12 faixas do CD são parcerias de Ná Ozzetti com Luis Tatit, Zélia Duncan, Alice Ruiz, Asthur Nestrovski, Makely Ka, Carol Ribeiro e Neco Prates (não por acaso, marido da cantora). Somente uma das músicas, "A Velha Fiando", não é composição de Ná, e foi escrita por Dante Ozzetti (irmão da cantora) e Luiz Tatit. Ná Ozzetti não é letrista. Sua parte nas composições é a criação da melodia. E aí está a virtude e defeito do CD. O CD, a rigor, é muito bom. Porém Ná Ozzetti criou melodias difíceis de serem assimiladas, que faz com que o CD não tenha aquelas características intrínsecas a músicas de fácil apelo popular, sejam elas boas ou ruins: elas não são músicas "cantaroláveis" em uma primeira audição. O CD, como um todo, é daqueles que o ouvinte precisa escutar várias vezes seguidas para apreender as melodias, e daí começar a gostar. Porém passado o estranhamento inicial começa a adquirir peso a cada audição, à medida que as melodias vão ficando familiares. Não é um CD para o ouvinte comum acostumado a programação radiofônica. É difícil, as melodias são abertas, cheias de vagos... mas seria um contrasenso que uma artista que já está na cena musical do país a 30 anos sem nunca ter sido uma mega-star (e esse CD é comemoração desses 30 anos) tenha a preocupação de ser "popular", quando a essa altura do campeonato não faria mais sentido algum fazer concessões. Por outro lado, talvez músicas de compositores de fora do "grupo da Ná" pudessem trazer um colorido extra ao CD quando justapostas às melodias criadas pela cantora. Das 12 músicas, uma, "Entre o amor e o mar" (Ná e Luiz Tatit) já tinha sido lançada em 2006 pela cantora Jussara Silveira, e é a única não inédita.




Repertório do CD:


1. Meu Quintal (Ná Ozzetti / Luiz Tatit)

2. A Velha Fiando (Dante Ozzetti / Luiz Tatit)

3. Baú de Guardados (Ná Ozzetti / Alice Ruiz)

4. Tupi (Ná Ozzetti / Arthur Nestrovski)

5. Ser Estar (Ná Ozzetti / Alice Ruiz)

6. Equilíbrio (Ná Ozzetti / Luiz Tatit)

7. Onde a Vista Alcança (Ná Ozzetti / Makely Ka)

8. Chuva (Ná Ozzetti / Carol Ribeiro)

9. Acordo de Amor (Ná Ozzetti / Alice Ruiz / Neco Prates)

10. Sobrenatural (Né Ozzetti / Zélia Duncan)

11. Lingua Afiada (Ná Ozzetti / Luiz Tatit)

12. Entre o Amor e o Mar (Ná Ozzetti / Luiz Tatit)


O CD tem uma certa preocupação ecológica, como se pode notar em versos como "Meu quintal / tem um rio / que ainda dá / pra navegar" ("Meu quintal"), "Fábricas vêm para os trópicos / fim das florestas / e o solo deserto / aquece o planeta / derrete as geleiras / aumenta o oceano" ("A velha fiando"), "Amanheceu / Bicho cantou / Mudou o gosto do ar" ("Tupi"), "Chuva que regou o meu jardim / Floriu" ("Chuva"). Mas também discorre sobre temas existenciais em "Baú de guardados" ("Trago fechado no peito um baú de guardados / Jóias, gemas e pérolas, que podem ofuscar meus olhos"), "Ser estar" ("Eu fui, eu sou, estou / Quem foi que disse / Que pode dizer / Quem eu sou?"), "Onde a vista alcança" ("Quando a vida descansa / Foi alguém que partiu / Fica só a fragrância / Vaga, sutil / Mas o tempo avança e fica esse fio"). E, como é de se esperar, não deixa de falar de amor, como em "Acordo de amor" ("Faço como meu amor / Uma cordo / Nunca fazer sombra / Um para o outro"), "Sobrenatural " ("Sobrenatural ver você se afastar / Quase transbordei de vazio e sal").


Em "Meu Quintal", Ná conta com os mesmos músicos que a acompanharam no bem sucedido CD anterior, "Balangandãs": Dante Ozzetti (violões), Mário Manga (guitarras, violoncelo e violão tenor), Sérgio Reze (bateria e gongos) e Zé Alexandre Carvalho (contrabaixo). Como no CD anterior, os músicos fazem um trabalho de excelente qualidade. A produção é de Mário Manga (que, por acaso, é o orgulhoso papai da cantora Mariana Aydar). Nota à parte é o belíssimo trabalho gráfico do CD. O digipack é lindo, e o trabalho foi elaborado pelo pessoal do site http://www.taocriativo.com.br/ . Muito bom! Ah, o trabalho da cantora? Releia a primeira frase desse texto!! Como sempre, Ná está cantando muito bem.

4 de abr. de 2011

Minhas namoradas musicais


Paulo Gracindo, na década de 50, quando era ainda radialista e apresentava programas musicais na Rádio Nacional, apelidou a cantora Zezé Gonzaga de sua "Namorada Musical". De fato não havia nada entre Paulo e Zezé, mas a musicalidade e delicadeza do canto de Zezé permitiam esses arroubos sentimentais de Paulo.


Eu sempre tive minhas namoradas musicais, desde criança. Quando bem pequenininho, minhas duas primeiras paixões foram Joanna e Alcione. Isso foi no final da década de 70 para início dos anos 80. De fato minha paixão por essas duas não era exatamente musical, embora eu até hoje ache que as duas, cada uma a seu modo, tem valor e talento, eu na realidade achava as duas lindas e queria casar com elas (!!!). Coisas de criança.


De fato minha primeira paixão musical foi Rita Lee, que eu digo até hoje que foi a minha Xuxa. Sim, pq enquanto meus contemporâneos achavam a Rainha dos Baixinhos o máximo, eu, que até podia ver o programa de TV da Xuxa quando acordava cedo (o que nunca foi meu forte), mas minha predileção mesmo era a Rainha do Rock, com sua irreverência, graça e humor. Adorava a Rita e até hoje acho que ela é uma das maiores mulheres da MPB.


Se Rita foi a minha "Namorada Musical" na infância, eu acabei casando musicalmente com outra grande dama da minha adolescência. Gal Costa foi quem monopolizou todas as minhas atenções a partir dos meus 12 anos, e ainda é a minha cantora favorita, minha eterna namorada musical, embora vez por outra eu tenha lá minhas desavenças musicais com ela. Entre indas e vindas, Gal é uma paixão que certamente me acompanhará por toda a vida, mas nossa relação se tornou madura e abriu espaço para que outras pessoas surgissem.


Na minha fase adulto-jovem fui arrebatado por um trator de emoção, calor e voz chamado Cássia Eller. Cássia foi minha terceira Namorada Musical. Na década de 90 tive a certeza de que Cássia seria a maior intérperet brasileira durante muito tempo, até que aquela tragédia aconteceu... enfim...


Enquanto meu relacionamento com Cássia ia a todo calor eu conheci uma outra moça, esta com doce voz de cotovia, a paulistíssima Ná Ozzetti, com sua afinação perfeita, seu repertório entre o clássico e o inusitado, sua m usicalidade acima de qualquer suspeita. De fato foram exatamente Gal Costa e Cássia Eller quem me levaram a ouvir (e me apaixonar) por Ná, minha quarta namorada musical. A primeira vez que li o nome de Ná Ozzetti foi numa crítica de um disco de Gal (o jornalista falava de cantoras que seguiam o estilo de Gal, entre elas as mais destacadas, segundo ela, Marisa Monte e Ná Ozzetti. Ná "who"? eu me perguntei). Em seguida Cássia, que era também fãzoca de Ná, citou-a em diversas entrevistas, o que aumentou meu interesse e curiosidade... mas acho que aí eu já estava rendido por Maria Cristina Ozzetti.


Finalmente nos últimos anos uma outra menina tem me conquistado com sua despretenção, humildade, refinamento, bom gosto. Teresa Cristina é minha quinta namorada musical, e, apesar de algumas poucas vozes chatas dissonantes depondo contra, cada vez mais tenho certeza de que Teresa veio para ficar e fazer diferença na MPB. Cinco cantoras de uma legião que me encanta. Rita, Gal, Cássia, Ná e Teresa são uma pequena grande mostra de tudo de bacana que as mulheres fazem e fizeram pela música brasileira. Adoro-as.