31 de mai. de 2010

Wanderléa e o estigma da "ternurinha"


Outro dia coloquei na minha mensagem pessoal do cabeçalho do MSN a frase "Wanderléa é um barato". De fato eu estava escutando os discos da fase Jovem Guarda da cantora, principal figura feminina das "jovens tardes de domingo". E, realmente, acho essa fase da Wanderléa um barato. As músicas são pueris, musicalmente bem primárias, mas Wandeca as interpretava com uma graça, um bom humor, que fazem esses discos deliciosos de se ouvir, se escutados descompromissadamente.

Nesse dia, um amigo meu que adoro, tem ótimo gosto musical e que respeito muito me mandou a seguinte mensagem: "Wanderléa é o erro".

Eu acho compreensível, mas discordo completamente. Apesar de gostar da fase Jovem Guarda dela, reconheço, como disse acima, que ali tudo era muito bobo, e muitas vezes irrelevante (apesar de delicioso). Acho natural que quem conhece somente essa fase do trabalho de Wanderléa não goste da cantora. Até por que, realmente, quase TODOS os hits de Wanderléa são dos anos 60.

Não quero dizer que Wanderléa devesse ter virado as costas para o seu passado musical. Pelo contrário. Acho que em qualquer show de Wanderléa é obrigatório que ela cante "Prova de fogo", "Pare o casamento", "Ternura", "Já nem sei" e "Foi assim". Porém Wanderléa teve uma fase logo após os anos 60, de 1972 até 1978, em que seu trabalho deu um salto qualitativo que nunca foi valorizado de fato. Wanderléa tentou (e conseguiu) amadurecer como cantora, construindo um repertório ao mesmo tempo coerente com seu passado "rockeiro", mas também adulto e inteligente. Quatro discos: "Wanderléa Maravilhosa", de 72, "Feito Gente", 75, "Vamos que Eu Já Vou" de 77 e "Mais que A Paixão", de 78, além de alguns compactos, em que Wanderléa colocou em sua voz grandes compositores como Egberto Gismonti, Gonzaguinha, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Fátima Guedes (inclusive foi Wanderléa a primeira cantora a gravar Fátima, a música "Bicho medo" em 1978), Jorge Mautner, Djavan, Luiz Melodia, Sueli Costa, Assis Valente, Joyce, Moraes Moreira, e, claro, Roberto e Erasmo. Esses são, disparado, os melhores discos de Wanderléa, porém em nenhum deles está presente algum grande sucesso da sua carreira. Talvez por isso algumas pessoas tenham se habituado a não perceber em Wanderléa a ótima cantora que ela é, sempre afinada, e, coisa importante, uma cantora personalíssima. Com seu vibrato marcante, Wanderléa não soa como nenhuma outra cantora brasileira. Ela é inconfundível.

O público saudosista da Jovem Guarda, muitas vezes extremamente conservador e moralista (tanto que Roberto Carlos, se distanciou da figura do "Brasa" se tornando um cantor romântico muitas vezes cafona pra chuchu, embora com lindas canções) aprisionou a cantora na eterna figura da "Ternurinha", e não permitiu a ela avançar, arriscar, e ser uma cantora distanciada da Jovem Guarda. Os discos gravados nos anos 70 não fizeram sucesso, devem ter vendido pouco, e já em 1981 Wanderléa gravou um disco reinterpretando alguns sucessos da Jovem Guarda em pot-pourri, e começou a injentar em seus discos, a partir de então raros, doses cavalares de sentimentalismo, trazendo Wanderléa de volta ao sucesso com músicas melosas como "Me ame ou me deixe", de 1989, e associando à cantora a tal aura de "o erro" que meu amigo vê nela. A imagem que se têm é que se trata de uma cantora que fez sucesso com um modismo musical nos anos 60 e se tornou uma cantora brega posteriormente. O problema é que, nesse meio tempo Wanderléa tentou e conseguiu mudar. Mas não levou o crédito por isso! Uma pena.

O bacana é que, de certa forma, afastada do mercado fonográfico (a partir da década de 80 Wanderléa gravou apenas 5 discos), ela parece ter, finalmente, adquirido independência e despreocupação em "ser comercial", se desamarrou da obrigação de ser sempre a "Ternurinha", e em 2008 gravou "Nova Estação" um disco muito bom, que, se não repete o ineditismo do repertório de sua fase genial dos anos 70, pelo menos resgata o bom gosto na escolha das músicas.

15 de mai. de 2010

Saudades de Cássia Eller


Cássia Eller era, depois de Gal Costa, minha cantora preferida. Adorava o timbre de voz único, a agressividade, a irreverência e a forma de interpretar dela. Assisti a uns 5 shows, mas não pude chorar a morte de Cássia. Na hora que soube do seu falecimento, eu estava sentado no sofá de um hospital ao lado de uma tia querida que estava muito doente, e que, meses depois, veio também a falecer. Na inteção de não entrar num clima pesado de morte e tristeza, mantive a serenidade e continuamos todos conversando como se tratasse apenas da morte de mais um artista louco. No entanto para mim, foi trágico. No dia seguinte eu segui com um grupo de amigos para acasa de um deles em Arembepe, onde passamos a festa de Fim de Ano. Mais uma vez não chorei a morte de minha querida cantora. Ao voltar para casa, coloquei um dos discos de Cássia para tocar, e chorei muito.

Mas, a partir de então, passei a escutar muito pouco os discos de Cássia. Continuo adorando-os e paro para ver ou ouví-la sempre que ela aparece na minha frente na TV, rádio ou Internet. Mas comecei a colocar pouco seus discos porque Cássia para mim era movimento, uma presença tão cheia de vida, que, antes, quando ouvia um disco dela, sabia que aquela energia ali era verdadeira e estava poresente em algum lugar desse mundo. E me emocionava por saber que ela era real. Para mim Cássia Eller foi a maior cantora dos anos 90. O grande diferencial dela, o que a destaca de Marisa Monte, por exemplo, é que Cássia não teve antecessoras. Ela surgiu pronta, maravilhosa e única. É difícil perceber uma "cantora-referência" de Cássia, como é Gal para Marisa, Elis para Leila Pinheiro, etc.

Quando Cássia ainda estava por aqui, eu ouvia um disco seu pensando em como seria o seu próximo CD, e isso me dava mais tesão em escutá-la. Com sua partida, essa emoção deixou de existir. Porém, nas últimas semanas tenho ouvido e visto muito a Cássia, e mais uma vez, choro de emoção e saudade. Cássia Eller faz muita falta.

9 de mai. de 2010

Com Teresa Cristina: bem melhor assim


Lembro que ouvi falar muito de Teresa Cristina antes de ouvi-la cantar. Até que minha curiosidade musical me levou a procurar alguma coisa dela, e lembro que a primeira coisa que escutei foi seu disco "A Vida Me Fez Assim", na rádio Uol. Imediatamente percebi que ali havia um trabalho muito consistente, mesmo que só depois tenha sabido que grande parte daquelas canções era composta pela própria Teresa. Gostei de sua voz, suave e sem virtuosismos exagerados, do jeito que eu acredito que é o jeito certo de se cantar samba, como o povo canta nas rodas, nas reuniões nos fundos de quintais. Me tornei um entusiasta do trabalho dessa moça imediataente.

Mas, por incrível que me pudesse parecer, haviam (e ainda há) várias vozes discordantes, que diziam se tratar de um embuste. De todas as críticas que ouvi sobre ela, a mais corriqueira seria a de que Teresa seria "sem graça" no palco. As críticas à sua voz e jeito de cantar eu nem levei em consideração, uma vez que o que ouvia me dava (e dá) a certeza de que, assim como Nara Leão, não é o volume de voz que faz de Teresa uma grande cantora. Até que, já anos depois (e já fã) pude assistir o show "Delicada" aqui em Salvador no palco do Teatro Castro Alves. Não achei Teresa "sem graça". Pelo contrário. Tímida, de fato, mas segura e muito simpática, e com um poder de comunicação com o público, uma coisa muito bonita. Assisti a esse show encantado, e a impressão que tive ao final do show, das pessoas que estavam comigo e no lotado teatro, foi que tínhamos visto uma linda amostra de música brasileira. E saí certo de que tinha visto o show de uma artista importante.

Depois disso tive o enorme prazer de ver Teresa ao lado de Jussara Silveira e Rita Ribeiro no DVD "Três Meninas do Brasil", e agora acabo de adquirir seu novo DVD, "Melhor Assim".

Pois Teresa está realmente "Melhor Assim". Cada dia mais segura de sua atuação, os dias de timidez, o canto parada de olhos fechados no centro do palco estão ficando cada vez mais para trás. Teresa está, aos poucos, assumindo sua postura de estrela, coisa que talvez ela não conseguisse encarnar antes.

Outro dia assisti no Youtube uma entrevista dela, em fala que não é uma pessoa tímida, mas que no palco ela fica tímida e trava, que essa coisa de ser cantora não foi uma coisa que cresceu com ela, que era uma coisa nova. Pois bem, isso está deixando de acontecer. Cantora, ótima compositora, Teresa está cada vez mais intérprete.

Nos extras do DVD, Seu Jorge, um de seus convidados (ao lado de Marisa Monte, Caetano Veloso, Lenine e Arlindo Cruz - e sua mãe, D. Hilda, cantando lindamente um antigo sucesso de Angela Maria) fala que acha de grande importância para o Rio de Janeiro que haja uma Teresa Cristina e seu canto seu firulas, suas composições. Eu também acho. E vou além: acho Teresa importante para o Brasil, ela está devolvendo ao samba a nobreza e importância que lhe foi roubada na década de 90, com aquela avalanche de grupos de "bregode" qua ainda infestam os programas dominicais. Para mim, ela é hoje, pela novidade que ela traz, pelos resgates que faz, a figura mais importante do samba. Um presente para a MPB, que está bem melhor assim, com ela.

8 de mai. de 2010

Divina e Enluarada


Num país sem memória cultural chegamos ao aniversário de 20 anos de morte de Elizeth Cardoso sem nenhuma comemoração especial. Nenhum especial de TV, nenhum box de CDs, nem mesmo o relançamento de títulos importantes de forma avulsa. Apenas a reedição de sua biografia, escrita por Sergio Cabral.

Elizeth, de certa forma, foi uma das lançadoras da Bossa-Nova, mas nunca foi uma cantora de bossa-nova. Se estilo intenso, sentimental, é claramente da era dos vozeirões, e se sua carreira se firmou nos anos 50, foi somente pelo motivo de Elizeth ter gravado seu primeiro disco já com 30 anos. Mas quis o destino que ela só se lançasse para o sucesso em 1950, quando gravou o grande sucesso e hoje clássico "Canção de amor". Quando Elizeth chegava, chegava ao mesmo tempo toda aquela geração que seria fundadora da Bossa-Nova: Tom Jobim, João Gilberto, Sílvia Telles, Johnny Alf... talvez por isso, por essa proximidade geracional, tenha sido possóvel que Elizeth, cantora típica da Era de Ouro, tenha passado pela transição para os anos 60 de forma tão bem sucedida. Por incrível que pareça, a grande maioria dos grandes sucessos da carreira de Elizeth, com exceção de "Canção de Amor", são contemporêneos ou posteriores ao auge da Bossa-Nova, ou seja, posteriores a 1958, ano em que ela gravou o hoje antológico "Canção do Amor Demais", disco no qual cantava somente músicas da dupla Jobim-Vinícius, e contava com o violão de João Gilberto em duas faixas. Esse disco é considerado um dos marcos iniciais da Bossa, e com ele Elizeth colou definitivamente sua voz à história do movimento que revolucionou a MPB.

A verdade é que a Bossa-Nova foi maravilhosa para a MPB, mas desastrosa para a carreira de muita gente. Foram poucos os que passaram incólumes para os anos 60. E mesmo assim, os que passaram adquiriram uma aura de "cafonas" que a partir de então passou a fazer parte de suas personalidades artísticas. Mas isso não aconteceu com Elizeth. Sem mudar em nada seu estilo denso, sua sofisticação e bom gosto para escolha de repertório possibilitaram que ela chegasse à década de 60 com mais prestígio que nunca, lançando muitos discos, obtendo grandes sucessos e até mesmo apresentando um programa de TV na Record, ao lado de Ciro Monteiro, o Bossaudade. Era uma espécie de versão saudosista do Fino da Bossa, de Elis e Jair Rodrigues, mas é bom lembrar que só os grandes nomes tinham programas musicais na TV Record. Como Wilson Simonal, Roberto Carlos e sua Jovem Guarda, Elis e Jair, Geraldo Vandré, Chico e Nara.

Elizeth chegou á década de 70 ainda com sucesso (a hilariante "Eu bebo sim") e com o mesmo prestígio de sempre. E mesmo que aos poucos seu nome tenha se distanciado gradativamente do centro das atenções, na década de 80 ainda era uma cantora respeitadíssima.

É de Elizeth Cardoso um dos meis bonitos registros de show que existem na MPB. Gravado em fevereiro de 68 no Teatro João Caetano, o encontro entre Elizeth, Zimbo Trio e Jacob do Bandolim e seu grupo Época de Ouro é uma belíssima amostra da arte de Elizeth, onde ela se encontro com o tradicionalista Jacob (seu descobridor) e com o moderno Zimbo TRio, com seu som tipicamente pós Bossa-Nova. Lançado originalmente em 3 discos, dois em 1968 e um, com as sobras, em 1977, o show foi reeditado e lançado em seu formato original (em dois Cds) na caixa "Faxineira das Canções" a alguns anos atrás. É peça obrigatória para quem deseja apreciar o canto de rainha de Elizeth Cardoso, e entrar em contato também com duas das melhores amostras de música instrumental que se tem notícia na nossa história.

Divina e Enluarada foram duas alcunhas que acompanharam Elizeth. Sintomático que deuses e a lua estejam no céu, por que, realmente, Elieth Cardoso foi (e ainda é) uma cantora celestial.

5 de mai. de 2010

Os cantos e os contos de Zizi Possi


Zizi Possi não está lançando CD novo. Está lançando não um, mas dois DVDs. Fugindo da obviedade, redundancia e repetição dos CDs/DVDs ao vivo lançados a todo momento no mercado de discos brasileiros, os novos trabalhos de Zizi não possuem correspondentes no formato CD, o que é inesperado, uma vez que a grande maioria das músicas registradas nos dois volumes do "Cantos e Contos" são inéditas na voz de Zizi. Das 36 músicas distribuídas nos dois DVDs, somente 8 já tiveram registro em discos de Zizi, e dessas 8 somente uma, "Caminhos de sol", pode ser chamada de um "hit" da Zizi.

É mais estranho ainda se levado em consideração que se trata de um trabalho comemorativo dos 30 anos de carreira de Zizi. Quase todos os intérpretes nacionais que resolvem comemorar aniversário de carreira acabam regravando antigos sucessos. No caso de Zizi, que ninguém espere revê-la cantando "Asa morena, "Perigo" ou "A paz". Ao lado dos convidados Alcione, Eduardo Dusek, Toninho ferragutti, Alceu Valença, Ivan Lins, João Bosco, Ana Carolina, Roberto Menescal, Edu Lobo e a filhota Luiza Possi, Zizi comemora seus 30 anos de carreira registrando com sua voz sempre lindíssima alguns clássicos da MPB, como "As rosas não falam", "Sei lá, Mangueira", "Sufoco", e outras. O resultado é belíssimo. Zizi está cantando melhor que nunca. Também é uma felicidade ver Zizi de volta à seara nacional, depois do CD "Para Inglês Ver e Ouvir", cantando somente músicas em inglês, lançado em 2005. O último disco de Zizi cantando em português foi o "Bossa", de 2001... ou seja, quase 10 anos de saudades, uam vez que confesso que achei o "Canções para inglês" um disco bom, porém lento.

Porém, apesar de tudo isso, senti falta SIM de ver/ouvir Zizi cantando seus antigos hits! E parece que não só eu, uma vez que quando ela canta "Caminhos de sol" é acompanhada em uníssimo pelo público do show, uma prova da saudade daquelas músicas que fizeram sucesso nos anos 80.

Eu também acho que Zizi Possi deu uma guinada qualitativa importantíssima em sua carreira quando rompeu com grandes gravadoras e lançou o disco "Sobre todas as coisas", em 1991. Para mim esse é ainda seu melhor disco, onde, fervilhando de vontade de fazer algo realmente relevante, Zizi fez um trabalho memorável, e que está na minha lista de melhores discos de cantoras de todos os tempos. Porém não tenho como fugir ao fato de ter crescido na década de 80. Zizi Possi foi uma das cantoras de maior visibilidade nessa época, e gosto muito de todos os seus grandes sucessos. Eu tinha a impressão de que Zizi fugia de seus antigos sucessos como o tinhoso da cruz, tachada que ficou (injustamente) de "brega" ou "popularesca". Aliás, não sei por qual motivo. Acho quer Zizi pode ter sido pop, mas nunca brega. Porém me surpreendi ao saber que ela cantou vários de seus grandes sucessos na série de shows que gerou os dois DVDs ora lançados, porém nenhum deles (ou melhor, só um) entraram no DVD. Mesmo que "Asa morena" não seja tão boa quanto "As rosas não falam", acho que muito da emoção daquela sintonia existente entre público e artista ficou meio que de fora dos DVDs. No entanto, continuo achando que o resultado extraordinário, impecável mesmo, Zizi mais uma vez mostrando que é uma das melhores cantoras brasileiras.

3 de mai. de 2010

Adoráveis obscuras


Adoro escutar cantoras obscuras. Tenho total prazer em conhecer aquela cantora que ao ter seu nome mencionado, faça o interlocutor colocar aquela cara de paisagem e dizer que não conhece. O prazer é maior principalmente quando se trata de uma artista que, apesar da obscuridade, possui carreira longeva, muitos discos gravadas, prestígio entre críticos e colegas músicos. Dessa longa lista posso mencionar Ná Ozzetti, Mônica Salmaso, Marlui Miranda, Ceumar, Fabiana Cozza e tantas outras cantoras que nunca chegaram (provavelmente não vão chegar) às paradas de sucesso.

Porém, muito acima dessas, que afinal ainda estão em atividade, existe um prazer no cavucar daqueles nomes que já se esqueceram no tempo, na memória até daqueles que, por amor à música ou à pesquisa, costumam fuçar lá no fundo do baú.

Tudo começou numa livraria, quando descobri um livro importantíssimo, embora às vezes bem superficial: A Enciclopédia da Música Brasileira, da Art Editora. Trata-se de um livro enorme, com verbetes reunindo não só nomes de artistas da música brasileira de quase todas as tendências, sejam populares ou eruditas, como também gêneros musicais, danças, etc. Foi através dos verbetes desse livro que descobri que, além de Carmen Miranda, Aracy de Almeida e mais alguns nomes consagrados, existia uma legião de artistas, homens e mulheres que eu nunca tinha ouvido falar! Comecei a ouvir esses artistas através do mais fantástico site existente para os amantes de MPB da era do 78 rpm, que é o site do Instituto Moreira Sales, que possui um arquivo de áudios incrível, que vai desde os prmeiros discos feitos no Brasil nos idos de 1902 até os últimos 78 RPM fabricados em início da década de 60, de nomes como Elis Regina, Miltinho, Elza Soares e João Gilberto. Foi através desse site que pude conhecer as vozes daquele monte de cantoras esquecidas que o livrão me dizia que haviam existido: Carmen Barbosa, Jesy Barbosa, Alda Verona, Stefana de Macedo, Alzirinha Camargo, Otília Amorim, Marion, etc. Seria cansativo transcrever aqui o nome de todas essas artistas tão pouco conhecidas nas próprias épocas em que atuaram, quanto mais hoje em dia, mas para os curiosos, indico o www.cantorasdobrasil.com.br, MEU SITE. Estão todas lá.

Outro dia um conhecido, quando eu falei que estava ouvindo a Sônia Carvalho (outras dessas obscuras fantásticas) me falou que não tinha muito saco, por conta das gravações "estranhas". Respondi, não sem uma dose de impaciência, que adoro gravação fanhosa. Trata-se de meia verdade. Na verdade as gravações precárias me incomodam, não pela falta de tecnologia, mas pelo fato de possivelmente deformar os timbres como o eram - e basta ouvir uma gravação do início da carreira de Carmen Miranda com uma gravação dela feita em Holywood para confirmar que havia sim, uma diferença gritante entre a voz numa gravação de qualidade tecnológica melhor e as feitas no Brasil em início da década de 30. O que me incomoda é saber que a precariedade das gravações trazem até nossos ouvidos apenas uma idéia do que deveria ser a voz real daquela pessoa cantando ali, e nisso vem a certeza que muito da beleza dos timbres de voz se perdeu. Porém, por outro lado, vem novamente o prazer da pesquisa, o gosto pelo antigo e em "deter" algo que é praticamente só meu, uma vez que tão pouca gente conhece ou tem interesse em conhecer (apesar de vibrar ao encontrar outro doido que curta esse mesmo tipo de som). Para apreciar uma gravação antiga basta você se transportar para a época em que aquilo foi feito. Ora, se na década de 30 vendiam-se discos com aquela qualidade tecnológica precária e as músicas faziam sucesso, é claro que havia o interesse, era possível gostar daquilo daquela forma. Rita Lee em uma entrevista, ao ser questionada sobre a idade, disse uma coisa genial: que ela podia ter todas as idades que já teve antes. Basta tirar do bolso e ser uma criança, uma mulher de 30, o que for. Penso que ouvir uma gravação antiga (ou ver um filme mudo, ler um livro de Machado de Assis, etc) é mais ou menos fazer o mesmo que a Rita descreve. Não é por que hoje temos a tecnologia digital de som puríssimo, que não posso fingir que não sei da existência dela, e ter prazer estético com ouvidos da década de 20 ou 30, ou mesmo de antes. Basta fazer como Rita e me trasportar para uma outra época, desprovido dos conceitos do tempo de agora, vestir uma fantasia e viajar para o passado. Foi assim que descobri o imenso prazer que é escutar aquelas deliciosas gravações "fanhosas" e conhecer as adoráveis "obscuras da MPB".