8 de mai. de 2010

Divina e Enluarada


Num país sem memória cultural chegamos ao aniversário de 20 anos de morte de Elizeth Cardoso sem nenhuma comemoração especial. Nenhum especial de TV, nenhum box de CDs, nem mesmo o relançamento de títulos importantes de forma avulsa. Apenas a reedição de sua biografia, escrita por Sergio Cabral.

Elizeth, de certa forma, foi uma das lançadoras da Bossa-Nova, mas nunca foi uma cantora de bossa-nova. Se estilo intenso, sentimental, é claramente da era dos vozeirões, e se sua carreira se firmou nos anos 50, foi somente pelo motivo de Elizeth ter gravado seu primeiro disco já com 30 anos. Mas quis o destino que ela só se lançasse para o sucesso em 1950, quando gravou o grande sucesso e hoje clássico "Canção de amor". Quando Elizeth chegava, chegava ao mesmo tempo toda aquela geração que seria fundadora da Bossa-Nova: Tom Jobim, João Gilberto, Sílvia Telles, Johnny Alf... talvez por isso, por essa proximidade geracional, tenha sido possóvel que Elizeth, cantora típica da Era de Ouro, tenha passado pela transição para os anos 60 de forma tão bem sucedida. Por incrível que pareça, a grande maioria dos grandes sucessos da carreira de Elizeth, com exceção de "Canção de Amor", são contemporêneos ou posteriores ao auge da Bossa-Nova, ou seja, posteriores a 1958, ano em que ela gravou o hoje antológico "Canção do Amor Demais", disco no qual cantava somente músicas da dupla Jobim-Vinícius, e contava com o violão de João Gilberto em duas faixas. Esse disco é considerado um dos marcos iniciais da Bossa, e com ele Elizeth colou definitivamente sua voz à história do movimento que revolucionou a MPB.

A verdade é que a Bossa-Nova foi maravilhosa para a MPB, mas desastrosa para a carreira de muita gente. Foram poucos os que passaram incólumes para os anos 60. E mesmo assim, os que passaram adquiriram uma aura de "cafonas" que a partir de então passou a fazer parte de suas personalidades artísticas. Mas isso não aconteceu com Elizeth. Sem mudar em nada seu estilo denso, sua sofisticação e bom gosto para escolha de repertório possibilitaram que ela chegasse à década de 60 com mais prestígio que nunca, lançando muitos discos, obtendo grandes sucessos e até mesmo apresentando um programa de TV na Record, ao lado de Ciro Monteiro, o Bossaudade. Era uma espécie de versão saudosista do Fino da Bossa, de Elis e Jair Rodrigues, mas é bom lembrar que só os grandes nomes tinham programas musicais na TV Record. Como Wilson Simonal, Roberto Carlos e sua Jovem Guarda, Elis e Jair, Geraldo Vandré, Chico e Nara.

Elizeth chegou á década de 70 ainda com sucesso (a hilariante "Eu bebo sim") e com o mesmo prestígio de sempre. E mesmo que aos poucos seu nome tenha se distanciado gradativamente do centro das atenções, na década de 80 ainda era uma cantora respeitadíssima.

É de Elizeth Cardoso um dos meis bonitos registros de show que existem na MPB. Gravado em fevereiro de 68 no Teatro João Caetano, o encontro entre Elizeth, Zimbo Trio e Jacob do Bandolim e seu grupo Época de Ouro é uma belíssima amostra da arte de Elizeth, onde ela se encontro com o tradicionalista Jacob (seu descobridor) e com o moderno Zimbo TRio, com seu som tipicamente pós Bossa-Nova. Lançado originalmente em 3 discos, dois em 1968 e um, com as sobras, em 1977, o show foi reeditado e lançado em seu formato original (em dois Cds) na caixa "Faxineira das Canções" a alguns anos atrás. É peça obrigatória para quem deseja apreciar o canto de rainha de Elizeth Cardoso, e entrar em contato também com duas das melhores amostras de música instrumental que se tem notícia na nossa história.

Divina e Enluarada foram duas alcunhas que acompanharam Elizeth. Sintomático que deuses e a lua estejam no céu, por que, realmente, Elieth Cardoso foi (e ainda é) uma cantora celestial.

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